Terça-feira, 5 de agosto de 2025. Começo a escrever estas linhas às 8h14 de uma manhã fria, triste e silenciosa. Dormi, ou talvez apenas apaguei. Já não sei mais distinguir. Foram dez horas de inconsciência forçada, embaladas por uma garrafa inteira de vinho e dois comprimidos de Rivotril. Se não fosse por essa mistura, eu teria provavelmente virado a madrugada como um zumbi solitário vagando pelas sombras, como numa cena de The Walking Dead.
Mas por quê?
Porque está cada vez mais difícil respirar neste país. É exaustivo tentar viver, sobreviver, conviver em uma nação onde a maldade floresce, onde a injustiça é fértil, e onde a desigualdade de forças se alastra como erva daninha. É desumano lutar contra um sistema que nos esmaga dia após dia, com requintes de frieza e impunidade.
É impossível manter a esperança viva diante de um Judiciário que age como se fosse o próprio rei, ditando regras, oprimindo, calando, prendendo, punindo, sem espaço para o contraditório. Um Senado omisso, apático, curvado, acuado, coberto por um manto de covardia. Uma Câmara dos Deputados que se rende ao apetite voraz das emendas e do chamado orçamento secreto. Um teatro grotesco de disputas políticas por curtidas, aparições e holofotes, enquanto a população sangra nas calçadas invisíveis do Brasil real.
É uma luta respirar num país onde você é perseguido por escrever, por se expressar, por simplesmente pensar de forma livre. Um país onde prenderam patriotas, cidadãos de bem, homens e mulheres que ousaram amar a liberdade. Um país onde bilhões são arrancados das contas de aposentados indefesos, e nenhuma autoridade se levanta, porque o envolvimento direto do irmão do chefe do Executivo impede qualquer investigação.
É cansativo viver onde o mal ri e reina. Onde a justiça é seletiva. Onde jornalistas valentes, ainda que em menor número, revelam provas devastadoras de um sistema viciado, militante, corrompido até o tutano, e mesmo assim, nada acontece. Nada muda. O silêncio é ensurdecedor.
Que país é este?
Em que nos transformamos?
A resposta dói na alma. Tornamo-nos uma sociedade onde o medo reina, onde o silêncio é o novo normal, onde a covardia das autoridades se mistura à submissão. Tornamo-nos uma terra sem lei para os poderosos e cheia de algemas para os inocentes. O país da inversão moral, da distorção dos valores, da corrupção institucionalizada. O país onde heróis são algemados e canalhas celebrados.
Sinto uma tristeza que corrói. Não aquela que passa com o tempo, mas uma tristeza que se instala e constrói morada dentro da gente. Acordar todos os dias com o peso de viver num país que não nos reconhece é como tentar gritar debaixo d’água. Você se debate, tenta alcançar o ar, mas a sufocação vem, inevitável. E o pior de tudo é que o povo vai se acostumando. Vai aceitando. Vai se calando. Vai sumindo aos poucos.
Moro em um condomínio em São Paulo, olho pela janela e vejo a neblina encobrir os telhados das casas vizinhas. É como se o próprio céu estivesse chorando conosco, solidário com a dor de milhões que já não acreditam mais em promessas, em discursos, em votos. E, mesmo assim, resistimos. Com lágrimas, com silêncio, com oração. Porque desistir seria assinar nossa rendição. E ainda que feridos, estamos vivos.
Mas até quando?
A sensação é a de que estamos andando em um campo minado, pisando com medo, com cuidado, com angústia. Cada passo pode ser fatal. Cada frase pode ser punida. Cada pensamento pode se tornar prova de crime. E quem ousa lutar, vira alvo.
Que tristeza é essa que já não precisa de palavras para ser sentida? Ela está nos olhos, nas mãos, no coração, no cansaço de tanta injustiça. Está na saudade de um Brasil que poderia ser grande, justo e livre. Mas que, neste momento, parece aprisionado dentro de sua própria sombra.
E nós, os que ainda ousam escrever, seguimos. Trêmulos, cansados, mas de pé. Porque alguém precisa continuar contando a verdade, mesmo que doa, mesmo que chore, mesmo que o mundo diga para calar.
A tristeza, hoje, é a minha única companhia. Mas também é minha força. Porque dela brota a indignação. E da indignação, talvez, brote a esperança.
Mesmo que em lágrimas.
Mesmo que em silêncio.
Que país é este?
Em que nos transformamos?
